Sua peregrinação pelos sítios começou lá atrás, em 1967, quando trabalhava como fiscal de operações de crédito agropecuário, no qual realizava muitas visitas às fazendas e assim descobriu a primeira “Pedra com Letreiros”, que se tratava de uma pedra com pinturas rupestres. A partir de então se iniciou uma verdadeira busca à pré-história e uma vida dedicada à conservação patrimonial histórica e cultural.
Nesta entrevista exclusiva à jornalista Bruna Steinbach, Luiz Carlos relata muitas histórias fascinantes, desde o período em que se descobriu fascinado pela arqueologia até os tempos atuais com o trabalho que vem realizando no Projeto de Atividades de Pesquisa de Educação Ambiental e Patrimonial na Bacia Sedimentar do Rio do Peixe, fomentado pela Secretaria de Ciência, Tecnologia, Inovação e Ensino Superior (Secties-PB) em parceria com a Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado da Paraíba (Fapesq-PB).
Gostaria que o senhor contasse como foi o seu primeiro contato com um registro pré-histórico?
Luiz Carlos - Numa tarde de setembro de 1974, fui à Serra Branca, em Vieirópolis (PB), onde fui realizar uma fiscalização para verificar os prejuízos de um fazendeiro, numa roça que havia sido financiada com recursos do BNB, o Banco que eu trabalhava, para plantar algodão em consórcio com milho e feijão. Um bando de macacos-prego que havia sido solto naquela serra, estava causando incalculáveis prejuízos aos fazendeiros, destruindo os plantios de milho, feijão e fruteiras diversas. Ao final daquela fiscalização, perguntei ao fazendeiro se ele sabia de pedras diferentes que existiam por lá, pois eu levava para uma professora aposentada, colecionadora de pedras. O fazendeiro me disse que tinha uma pedra diferente cheia de letreiros e desenhos que ninguém entendia nada. Mas para ver essa pedra tive que arranjar três trabalhadores para subir a serra. A subida naquela oportunidade era cansativa, em terreno íngreme até alcançarmos a tão aguardada “pedra dos letreiros” que provocou em mim grande admiração, pois aquela era a primeira vez que eu contemplava um registro pré-histórico. No paredão de pedra estavam ali as pinturas rupestres atravessando os tempos, resistindo ao sol sertanejo da tarde. Ao passar os primeiros momentos mais impactantes fomos explorar outros pontos daquela pedra, onde constatamos duas cavernas, uma a leste e outra a oeste, sendo a do leste mais ampla que a outra a oeste. Quando estive lá pela primeira vez, percebi que numa passagem estreita a pedra estava bastante desgastada indicando que ali havia passado pessoas (ou animais) por longo tempo, tal demonstrava seu uso, por se apresentar pouco lisa. Entretanto, quando voltei lá a última vez em 13 de fevereiro de 2013, percebi que o “matacão” havia inclinado poucos centímetros para a frente, estreitando muito aquela passagem do passado. Então, é provável que num futuro adiante aquele “matacão” possa rolar serra abaixo, como outros já rolaram. O desmatamento em seu entorno e as águas pluviais modificam as sustentações, daí acontecendo o desequilíbrio e alteração daquela paisagem.
Como o senhor fez para registrar a “pedra dos letreiros”?
Luiz Carlos - Naquela oportunidade eu não tinha máquina fotográfica, pois na época além de ser um equipamento caro ainda não existiam as compactas. Então levei cartolinas brancas e um pincel atômico, tendo copiado aquelas pinturas, tais quais estavam na pedra. Tempos depois o navarrense Nertran Pires Milfont, funcionário público e fotógrafo profissional em Brasília, esteve no local onde fez a foto, comigo, Zamba e dos trabalhadores que fizeram aquela “picada” como se aquela fosse a primeira vez que lá estivemos. Ficou interessante o registro fotográfico (fazendo de conta que estávamos ali pela primeira vez). Ao retornar à Sousa fui mostrar aqueles desenhos na pedra dos letreiros ao juiz de direito Firmo Justino de Oliveira, que sugeriu que eu fizesse a redação narrando sobre aquele achado para publicar no Jornal O Norte. E assim, o fiz. Quando a reportagem foi publicada recebi uma carta de um odontólogo paraibano, que morava em São Paulo, me orientando que eu fizesse a comunicação daquele achado ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado da Paraíba – IPHAEP. Assim eu fiz, quando, a partir de então, os pesquisadores começaram a chegar à Serra Branca, que localmente conhecem por Serra das Araras.
A partir desse achado da “pedra dos letreiros”, o senhor demonstrou maior interesse nas buscas de vestígios e também uma preocupação com a conservação patrimonial e ambiental, visto que naquela época o Parque do Vale dos Dinossauros em Sousa (PB) não contava com nenhuma infraestrutura turística. Qual foi a sua contribuição na preservação do Vale?
Luiz Carlos - Em 20 de novembro de 1996 foi quando eu sugeri que fosse criada uma ONG, pois com uma organização não governamental, com CNPJ, os pedidos em prol do Vale dos Dinossauros teriam outro peso, mais do que aqueles feitos individualmente. E assim foi fundada a MOVISSAUROS (Associação Movimento de Preservação do Vale dos Dinossauros), que ao iniciar sua atuação tirou o Vale dos Dinossauros do esquecimento em que se encontrava, pois, quando Giuseppe Leonardi havia encerrado suas pesquisas em 1989, nada mais se falava sobre pegadas de dinossauros, até porque naqueles anos as emissoras de Sousa eram pouco atuantes. Entretanto, quando os integrantes da MOVISSAUROS passaram a buscar os achados catalogados por Giuseppe Leonardi e encontraram novas pegadas de dinossauros, os jornais da Paraíba abriram espaços para a divulgação desses achados, de novas pegadas, daí o Vale dos Dinossauros voltou à berlinda.
O senhor presenciou vários descasos com o patrimônio histórico, como relatou a situação anterior do Vale dos Dinossauros em Sousa (PB) e que a partir da sua iniciativa com a ONG o Vale foi reestruturado. Como foi a sua atuação na conservação desse importante patrimônio?
Luiz Carlos – Eu era o presidente da entidade e que naquela altura para mirar a preservação do nosso patrimônio histórico e cultural tive que exigir a adoção de medidas por parte do poder público que não se sentiam confortáveis com as reivindicações. Mas diante dos justos pleitos, conseguimos os objetivos planejados. O Vale dos Dinossauros padecia com a falta de infraestrutura turística, por descaso das autoridades constituídas em todos os níveis: municipal, estadual e federal. Mas graças ao professor Daniel Duarte Pereira, da UFPB, campus de Areia, que frequentemente estava no sítio Ilha/Passagem das Pedras conduzindo alunos para visitar as pegadas de dinossauros. Quando o professor percebeu a ausência total de infraestrutura turística, elaborou um amplo projeto contemplando o Vale dos Dinossauros. A principal área de distribuição das pegadas de dinossauros localizada em Passagem das Pedras (fazenda Ilha) no município de Sousa, é atualmente um parque natural. Em 20 de dezembro de 1992 através de um Decreto-Lei estadual (Decreto no 14.833, de 20 de dezembro de 1992, Diário Oficial do Estado da Paraíba) esta localidade icnofossilífera foi tombada como Monumento Natural e designada como "Monumento Natural Vale dos Dinossauros". Em 1996 foi assinado um convênio entre o Ministério do Meio Ambiente, Estado da Paraíba/Superintendência de Administração do Meio Ambiente e Prefeitura Municipal de Sousa visando a consolidação do "Monumento Natural Vale dos Dinossauros".
O senhor trabalhou com o Padre Giuseppe Leonardi, um grande pesquisador e pioneiro nas descobertas das pegadas de dinossauros. Como foi esta experiência?
Luiz Carlos - Quando conheci Giuseppe Leonardi eu trabalhava no BNB, prestando expedientes de segunda às sexta, de modo que somente aos sábados e domingos havia condições de viajar com Leonardi. As pesquisas de Giuseppe Leonardi, no Vale dos Dinossauros, oficialmente foram encerradas em 1988, mas nas vezes que esteve em Sousa, após a minha aposentadoria em 1993, sempre o acompanhava. Quem o acompanhou durante todo o tempo de suas pesquisas, foi Robson de Araújo Marques, seu amigo e colaborador. Lembro-me da vez que Giuseppe Leonardi veio a Sousa após o encerramento oficial das pesquisas e foi na época do período natalino. Na tarde, véspera de Natal eu estava com Leonardi no sitio Piau (Sousa), caminhando sobre as pedras quentes, que vez por outra eu ia caminhar dentro das poças de lama para esfriar os tênis que estavam muito quentes, quando olhando pra ele absorto nas anotações que fazia diante de uma pegada, parecia que o tempo quente pra ele nem dava para perceber, quando ele sem tirar os olhos da caderneta de anotações disse: “Luiz, em Veneza onde eu moro, hoje aqueles canais por onde as gondolas passeiam com os turistas, estão coberto de neve onde as crianças brincam fazendo bonecos de neve”. Foi quando eu disse: “Professor, o Senhor mora numa cidade que todos desejam ir pra lá porque dizem ser a cidade do amor, entretanto, está aqui no rio do Piau com os pés pegando fogo caminhando sobre as pedras quentes”. “Ah Luiz, se eu pudesse, se no Nordeste tivesse igreja da minha congregação eu já estaria morando aqui, porque eu amo esta cidade, eu amo estas pegadas de dinossauros”! Sinceramente, fiquei emocionado com aquele depoimento de Giuseppe Leonardi declarando aquele amor que eu percebi quão eram sinceras suas palavras. Leonardi chegou a Sousa pela primeira vez em 1975 e a última vez que aqui esteve foi em 2016, num espaço de 41 anos ligado pessoalmente ao Vale dos Dinossauros. Atualmente mantenho contato com Leonardi quando desejo informações sobre assuntos da sua área, ou com Ismar de Souza Carvalho ou ainda com Fátima Santos, de Natal (RN).
Quais as suas expectativas com o trabalho atualmente do Projeto Rio do Peixe?
Luiz Carlos - Os paleontólogos e arqueólogos novos que estão inseridos no Projeto Rio Do Peixe são muito valorosos, pois são eles que darão continuidade aos trabalhos desenvolvidos por Giuseppe Leonardi (85 anos de idade, morando em Veneza, Itália), verificando as condições dos sítios com pegadas e inscrições rupestres e demais ocorrências no âmbito dessas ciências. Com esse quadro de paleontólogos e arqueólogos novos sugiro que passem a penetrar em novas áreas da Bacia do Rio do Peixe, especialmente nos afluentes do referido rio, por exemplo, à parte oeste da Formação Geológica Sousa, como o Riacho Cacaré, Várzea da Ema, subindo pelo Riacho do Umari em direção a sua foz, região da Fazenda Almas, Recreio e noutra direção ao norte de Uiraúna onde está a nascente do Rio do Peixe, no município de Poço Dantas, fronteira como Estado do Ceará, foram área não cobertas por Giuseppe Leonardi em suas pesquisas. Será muita valiosa a descoberta de novas pegadas, que não sejam as já catalogadas por outros pesquisadores, assim dará melhor ênfase ao Vale dos Dinossauros PB. Atualmente a paleontologia está em alta no Brasil, se criando parques artificiais com réplicas de dinossauros emitindo sons e realizando movimentos para encanto de crianças, jovens e adultos, além de ser uma fonte com altos rendimentos financeiros. Resta aos jovens, participar desse processo visando a preservação de rastros originais de dinossauros, como os existentes do nosso Vale dos Dinossauros, que, quiçá venha a ser reconhecido como Geoparque com reconhecimento pela UNESCO. As pegadas de dinossauros existentes no sitio Ilha (Passagem das Pedras), em Sousa PB, nos dá a sensação que o dinossauro acabou de caminhar naquela lama com fendas de ressecamento, pelo sol sertanejo. Sou da opinião que o Vale dos Dinossauros, de Sousa PB, seja administrado por alguém com curso de especialização em paleontologia, com guias treinados para transmitir aos turistas toda a beleza que são as pegadas dos “nossos” dinossauros. Antes de finalizar desejo apoiar a ideia do arqueólogo e escritor paraibano Carlos Alberto Azevedo, que o Vale dos Dinossauros passasse a ser conceituado por Monumento Natural e Cultural, pela existência de vários sítios arqueológicos em sua área e não apenas Monumento Natural como é atualmente. Aliás, no Museu, precisa ter ao menos uma fotografia de um dos sítios rupestres na área do Vale dos Dinossauros, para mostrar aos turistas e estudantes, por exemplo, que foi realizadas uma datação numa estrutura de fogueira pelo método absoluto do Carbono 14 (C-14), atestando a idade de 7600 anos A.P. (antes do presente) no sitio rupestre de Serra Branca (Vieirópolis PB). Enquanto no Serrote dos Letreiros (Sousa PB), painéis de inscrições rupestres associadas a pegadas de dinossauros, catalogadas pelo paleontólogo Giuseppe Leonardi em 1977, atestam a raridade daqueles registros, que nunca foram mostrados no Museu do Monumento Natural Vale dos Dinossauros.
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